Resposta: D, Apendicite Aguda
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Estruturação para raciocínio diagnóstico:
ID: R.B.K, feminina, 22 anos.
QP: Dor em Fossa Ilíaca Direita (FID) há 3 dias.
HDA: Dor em Fossa Ilíaca Direita (FID) há 3 dias com piora da intensidade (8/10) e acompanhada de febre subjetiva (não aferida). Nega irradiação para o dorso ou andar superior do abdome. Refere que neste período “perdeu a fome” (hiporexia), não apresentou vômitos nem diarreia.
IS: Sem outras alterações.
HP: Relata não ter vida sexual ativa, seus ciclos menstruais são regulares, com data da última menstruação (DUM) há 20 dias. No histórico pregresso nega qualquer patologia, nunca necessitou de cirurgias e não faz uso de medicação contínua.
Exame físico: BEG, corada e hidratada, PA: 110/60mmHg; FC: 99 bpm, FR: 12 ipm e T: 36,6°C. Tórax: MV+, sem sons adventícios. Precordio: BCRNF, sem sopros. Abdome levemente distendido, os RHA estão positivos, mas diminuídos e é doloroso à palpação profunda do abdome inferior, principalmente em hipogástrio e fossa ilíaca direita, mas sem massas. Os sinais de Rovsing e Blumberg são negativos. Seus exames indicam que há febre e sensibilidade na região abdominal inferior (à direita > à esquerda). O exame retal não forneceu achados significativos. Os exames laboratoriais indicam a ocorrência de leucocitose.
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Resolução do caso:
Epidemiologia: É a causa mais comum de abdome agudo não traumático, com incidência no mundo ocidental de 8%. Possui discreto predomínio no sexo masculino e é mais comum entre os 10 e 30 anos de idade. É a emergência cirúrgica mais comum com uma incidência de aproximadamente 233 a cada 100 mil habitantes e a utilização precoce da via cirúrgica melhora os resultados. A apendicite aguda tem maior incidência em adolescentes jovens (10 aos 19 anos) e nos homens (proporção de homens para mulheres de 1,4:1) (ZATERKA, 2011).
Quadro clínico: O quadro clínico clássico inicia-se com dor abdominal difusa, periumbilical ou no epigástrio, que em até 24 horas se localiza na fossa ilíaca direita, por vezes acompanhada de náuseas e vômitos. Esse quadro clínico está presente em apenas 50% dos casos. Sintomas inespecíficos como flatulência e alteração do hábito intestinal podem estar presentes. A anorexia habitualmente acompanha o quadro e, apesar de ser um sintoma inespecífico, é o mais frequentemente observado. Deve-se ter cautela ao diagnosticar apendicite em um paciente sem anorexia. Pacientes com quadros iniciais podem não apresentar elevação da temperatura. A presença de febre alta (acima de 39 °C) e taquicardia pode sugerir um quadro mais avançado, com perfuração. A apresentação clínica da apendicite pode variar com a idade do paciente e a localização do órgão na cavidade abdominal. Crianças e idosos frequentemente têm apresentação atípica, o que retarda o diagnóstico. Em relação à localização, o apêndice pode estar retrocecal/retrocólico (75%), com dor típica na fossa ilíaca direita, porém, muitas vezes sem irritação peritoneal pelo bloqueio do cólon. Quando nessas localizações, o sinal do psoas (caracterizado pela dor na fossa ilíaca direita com a flexão do quadril do mesmo lado) é positivo. Pode ser subcecal ou pélvico (20%), com dor pélvica, diarreia e disúria pela irritação do reto e bexiga, respectivamente. Em 5% dos casos o apêndice é pré ou pós-ileal, com sintomatologia mais inespecífica e presença de vômito e diarreia (ZATERKA, 2011).
No caso de perfuração o paciente pode apresentar duas apresentações clínicas:
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Perfuração bloqueada: é quando um abscesso é formado. O paciente queixa-se de desconforto em fossa ilíaca direita e pode haver presença de plastrão (massa palpável);
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Perfuração livre: dor de grande intensidade e com aspecto difuso. Abdome em tábua (rigidez generalizada) e temperatura maior que 39 graus. Pode evoluir para sepse (SABISTON, 2014).
Os sinais observados ao exame físico são clássicos com dor à palpação de fossa ilíaca direita com descompressão brusca positiva no ponto de McBurney (sensibilidade de 50 a 94% e especificidade de 75 a 86%). A dor à percussão ou durante o esforço de tosse pode representar comprometimento peritoneal. Pacientes com história mais prolongada podem exibir massa (plastrão) quando se examina a fossa ilíaca direita. O sinal de Rovsing, traduzido como dor na fossa ilíaca direita ao comprimir a fossa ilíaca esquerda, representa a distensão do ceco e do apêndice pelo conteúdo gasoso e pode estar presente em pacientes com apendicite (sensibilidade de 22 a 68% e especificidade de 58 a 96%). O sinal do psoas sugere apendicite retrocecal (sensibilidade de 13 a 42% e especificidade de 79 a 97%). Já o sinal do obturador sugere apendicite pélvica, sendo considerado positivo quando existe dor na fossa ilíaca direita à flexão do quadril direito com rotação interna do joelho (sensibilidade de 8% e especificidade de 94%). O exame ginecológico e o toque retal podem ser valiosos nos casos de dúvida diagnóstica (ZATERKA, 2011).
Alguns pacientes possuem apresentações atípicas da apendicite aguda:
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Criança: quadro atípico. Paciente apresenta letargia, febre alta, vômitos intensos e diarréia frequente. O diagnóstico geralmente é tardio e a progressão do processo inflamatório é mais rápida que o comum, com taxa de perfuração entre 15% e 65% - maior que no adulto. O omento ainda não está formado por completo e não auxilia na contenção da perfuração e a peritonite generalizada é mais frequente.
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Idoso: apresentação atípica, também. Temperatura menos elevada e a dor no abdome é mais insidiosa. A incidência de perfuração é ainda maior que na criança e apresenta maior mortalidade.
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Gestante: emergência extra uterina mais comum em grávidas, com frequência maior nos dois primeiros trimestres. O útero gravídico descola o apêndice superior e lateralmente, por isso dificulta o diagnóstico. Por isso, uma gestante pode apresentar dor em hipocôndrio direito, por exemplo, se estiver com apendicite aguda. Somado a isso a gestação possui sintomas semelhantes como náuseas e vômitos. Leucocitose também é comum em grávidas. Sendo assim, o diagnóstico é tardio e existem maiores chances de complicações. A intervenção cirúrgica mais indicada no segundo trimestre é a videolaparoscópica. Em outros períodos, utiliza-se a abordagem aberta.
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Pacientes com AIDS: nesses pacientes, Linfoma não Hodgkin e sarcoma de Kaposi podem ocasionar apendicite ao gerarem obstrução. Agentes como CMV e Cryptosporidium causam infeção do órgão. O diagnóstico é tardio, pelo fato do paciente com AIDS apresentar normalmente queixas abdominais.
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Apendicite Recorrente: surtos de dor abdominal na fossa ilíaca direita, sem presença de irritação peritoneal e de forma recorrente. O que causa esse quadro é a obstrução parcial da luz apendicular. E os critérios diagnósticos são: história de mais de 1 mês com ataques recorrentes de dor abdominal em quadrante inferior direito (QID); sensibilidade à palpação do QID sem irritação peritoneal; achados radiológicos; não esvaziamento do contraste no apêndice após 72h é um sinal diagnóstico, além do preenchimento incompleto (SABISTON, 2014).
Diagnóstico: Os exames laboratoriais podem ajudar nos casos em que o quadro clínico não é clássico. Não existe nenhum exame laboratorial específico para o diagnóstico da apendicite. O hemograma tem padrão infeccioso em até 80% dos casos, com leucocitose e desvio à esquerda, a contagem de leucócitos pode ser elevada, com mais de 75% de neutrófilos na maioria dos pacientes. Uma contagem de leucócitos completamente normal é encontrada em cerca de 10% dos pacientes com apendicite aguda. Uma contagem de leucócitos alta (> 20.000/mL) sugere apendicite complicada com gangrena ou perfuração. Entretanto, pode ser normal nos quadros iniciais (SABISTON, 2014).
A urinálise pode também ser útil na exclusão de pielonefrite ou nefrolitíase. Piúria mínima, frequentemente observada em mulheres idosas, não exclui apendicite do diagnóstico diferencial porque o ureter pode estar irritado adjacente ao apêndice inflamado. Embora a hematúria microscópica seja comum na apendicite, a hematúria macroscópica é incomum e pode indicar a presença de um cálculo renal. O exame de urina é importante no diagnóstico diferencial com a infecção urinária, porém, pode apresentar alterações em até 40% dos casos de apendicite aguda. O beta-HCG (teste de gravidez) é útil no diagnóstico diferencial das mulheres em idade fértil. A proteína C-reativa está normalmente aumentada nos processos inflamatórios e infecciosos, mas também não é específica (ZATERKA, 2011).
A radiografia simples do abdome, apesar de possuir uso comum, possui utilização recorrente injustificada. Menos de 15% dos pacientes com apendicite aguda irão apresentar fecalito calcificado em fossa ilíaca direita. Esse exame pode ser útil para excluir diagnóstico de litíase urinária, úlcera perfurada e obstrução de intestino delgado, mas é pouco utilizado em casos de suspeita de apendicite aguda. Já a ultrassonografia possui sensibilidade de cerca de 85% e especificidade de 90% para o diagnóstico de apendicite aguda. Apesar de possuir limitações caso o paciente for obeso ou apresentar distensão abdominal, é bastante útil quando o diagnóstico é duvidoso. Os achados sonográficos compatíveis com apendicite são: apêndice não compressível com 7mm ou mais de diâmetro, interrupção da ecogenicidade da submucosa e presença de apendicolito.
O exame de maior acurácia é a tomografia computadorizada. Os achados sugestivos são: espessamento e distensão do apêndice, diâmetro anteroposterior maior ou igual que 7 mm e inflamação periapendicular (edema, coleção líquida e edema), que é traduzido no exame através de borramento da gordura mesentérica. A TC possui sensibilidade de 90% e especificidade de 80% a 90% para o diagnóstico. Em 50% dos casos, fecalitos são identificados. Ainda assim, é ideal utilizar desse somente em casos duvidosos, como em idosos. existe um pequeno número no qual o diagnóstico permanece inconclusivo.
Para os pacientes com diagnóstico inconclusivo, a laparoscopia diagnóstica pode proporcionar tanto um exame direto do apêndice como uma pesquisa da cavidade abdominal para outras possíveis causas da dor. Usamos essa técnica primariamente para mulheres em idade reprodutiva nas quais o ultrassom ou a TC pélvica pré-operatória falharam em estabelecer um diagnóstico. Preocupações sobre possíveis efeitos adversos de uma perfuração e peritonite sobre uma fertilidade futura algumas vezes levam à intervenção precoce nessa população de pacientes (SABISTON, 2014). A Escala de Alvarado representa a probabilidade de um paciente possuir apendicite aguda, baseando-se nos sintomas e sinais e na presença ou não de leucocitose. O SABISTON traz um algoritmo diagnóstico.

Tratamento: Deve ser o mais precoce possível e sempre é cirúrgico. Em pacientes sem complicações, deve ser administrada uma quantidade pequena de solução cristaloide somente o suficiente para corrigir uma diminuição de volume, antes de ocorrer a anestesia geral. Quando existem complicações, deve-se infundir grande quantidade de líquidos antes do anestésico. Se não houve perfuração do apêndice, antibióticos com cobertura para gram-negativos e anaeróbios devem ser administrados em apenas uma dose previne a infecção de sítio cirúrgico. Se houve perfuração, deve-se administrar antimicrobianos antes e após o pós-operatório até o paciente ficar afebril. Em relação às cirurgias: pode ser tanto aberta quanto por videolaparoscopia, sendo essa última mais indicada em paciente obesos e perfurados com bloqueio, pois diminui o tempo de internação e a dor pós-operatória e reduz as chances de infecção de sítio cirúrgico.
Pacientes que se apresentam à sala de emergência de forma tardia provavelmente já possuirão perfuração e abscesso. Nesse caso, a conduta é internação hospitalar e realização de US ou TC para confirmação da suspeita. Após o início da antibioticoterapia sistêmica, caso os abscessos forem menores que 4 cm a conduta é apenas antibioticoterapia, com reavaliações. Se forem maiores do que 4 a 6 cm ou o paciente esteja com febre, utiliza-se de método de imagem para drenar o abscesso. O tratamento com antimicrobianos deve ser mantido por uma a duas semanas. Pelo fato da recorrência de apendicite aguda ser de 15% a 25% nesses casos, é recomendado realizar videolaparoscopia eletiva seis semanas após o quadro inicial.
Sobre o caso: A paciente R.B.K. apresenta dor intensa e contínua no abdome inferior e queixa-se de “mal-estar”. Ao exame físico, apresenta dor à palpação em FID e hipogástrio, mas com sinais de Rovsing e Blumberg negativos, hiporexia e sem febre. Sendo assim, o caso da paciente não se encaixa na apresentação típica da apendicite. Aos exames laboratoriais, é possível observar um aumento nos leucócitos e no PCR, caracterizando o desenvolvimento de um quadro inflamatório. O valor elevado de leucócito na urina pode se à presença de abscesso proximal ao trato urinário, pois a urina encontra-se estéril, o que afasta a suspeita de cistite. O exame de Beta-HCG foi para afastar gravidez como hipótese diagnóstica. O US sugere apendicite complicada: “abcesso em FID”. A pontuação na Escala de Alvarado é de 6 pontos, classificando a paciente em risco intermediário (Baixo Risco: < 5; Risco Intermediário: 5 a 8; Alto Risco: > 8).

Devido à falta de evidências pelos exames de imagem (R-X e US), a videolaparoscopia diagnóstica é o melhor método para diagnóstico no caso, ademais, o quadro da paciente, como já dito, não se manifestava de maneira típica assim o diagnóstico é mais complexo. A escolha entre o procedimento aberto ou laparoscópico, de forma geral, é ao procedimento que o cirurgião tem maior experiência e preparado. Para pacientes com apendicite complicada (presença de abscesso ou perfuração) o procedimento laparoscópico foi associado com uma maior estadia hospitalar (3,5 x 4,2 dias); maior quantidade de complicações intraoperatórias e maior custo hospitalar comparado com apendicectomia aberta.
A classificação da apendicite é da fase 0 à fase IV, como explicitado na tabela ao lado (tabela - GOMES, 2006).

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REFERÊNCIAS:
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ZATERKA, Schlioma; EISIG, Jaime N. Tratado de gastroenterologia: da graduação à pós-graduação. São Paulo: Atheneu, FBG, 2011.
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SABISTON. Tratado de cirurgia: A base biológica da prática cirúrgica moderna. 19.ed. Saunders. Elsevier. 2014.
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GOLDMAN, Lee; AUSIELLO, Dennis. Cecil Medicina Interna. 24. ed. Saunders-Elsevier, 2012.
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Roberto G. de Freitas, Marcos B. Pitombo, Maria Cristina A. Maya, Paulo Roberto F. Leal. Apendicite aguda. Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto. 2009.
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GOMES, Carlos Augusto; NUNES, Tarcizo Afonso. Classificação laparoscópica da apendicite aguda: correlação entre graus da doença e as variáveis perioperatórias. Rev. Col. Bras. Cir., Rio de Janeiro , v. 33, n. 5, p. 289-293, Oct. 2006