Resposta: C, Síndrome do Ovário Policístico (SOP)
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Estruturação para raciocínio diagnóstico:
ID: Paciente B.M.W, 17 anos, do sexo feminino.
QP: Ciclos menstruais irregulares e excesso de pelos em locais caracteristicamente masculinos.
HDA: Paciente B.M.W, 17 anos, do sexo feminino, apresenta ciclos menstruais irregulares desde a sua menarca, aos 13 anos de idade. Meses após a menarca sua mãe a levou em um ginecologista, que disse que isto era comum durante algum tempo após a primeira menstruação, mas, que se o quadro persistisse, seria necessária investigação adicional. Após anos de normalização dos ciclos menstruais, a partir dos 17 anos, ela engordou bastante e então progressivamente desenvolveu acne e excesso de pelos em locais caracteristicamente masculinos (face, região intermamária e epigástrio), e voltou a ter longos períodos de amenorreia, chegando a ficar 6 meses sem menstruar. Diante disso, o ginecologista de B.M.W. solicitou exames laboratoriais e USG pélvica.
IS: Nega outras comorbidades
HP: Ciclos menstruais irregulares desde a sua menarca, aos 13 anos de idade. Longos períodos de amenorreia.
EXAME FÍSICO: BEG, afebril, anictérica, acianótica. Alto IMC: 27, BCRNF em 2T, MV bilaterais sem ruídos adventícios, ruídos hidroaéreos presentes. Pelos excessivos no queixo, antebraços e abdômen inferior; sem estrias, sem acantose nigrans, tireoide normal.
RESULTADOS DE EXAMES COMPLEMENTARES: Altos níveis de insulina, LH, testosterona total, androstenediona. Baixos níveis de Beta-HCG e progesterona na fase lútea. Foram realizados: teste de tolerância à glicose oral (TTGO), perfil lipídico em jejum, TSH, prolactina, 17OHP, DHEA-S. Todos estavam normais
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Resolução do caso:
Conceito e Prevalência: A Síndrome dos ovários policísticos (SOP) é a uma das condições clínicas mais comuns dentre as disfunções endócrinas que afetam mulheres em idade reprodutiva, tendo sua prevalência variando de 6 a 16% dependendo da população estudada e do critério diagnóstico empregado. As principais características clínicas desta síndrome são a presença de hiperandrogenismo, com diferentes graus de manifestação clínica e a anovulação crônica.
Fisiopatologia: Vários fatores têm sido implicados na etiopatogenia da SOP, havendo componentes genéticos envolvidos, fatores metabólicos pré e pós-natais, distúrbios endócrinos hereditários, como a resistência à insulina e o diabetes mellitus tipo II (DMII), e fatores ambientais (dieta e atividade física).
Dentre os mecanismos endócrinos envolvidos na etiopatogênese da SOP está o padrão de secreção de gonadotrofinas, com hipersercreção característica de Hormônio Luteinizante (Lutheinizing Hormone – LH), evento patognomônico desta síndrome, com aumento na amplitude dos pulsos e com secreção de Hormônio Folículo Estimulante (Follicle Stimulating Hormone – FSH) baixa ou no limite inferior da normalidade. Esta secreção aumentada de LH leva à uma hiperatividade das células da teca que produzirão quantidades aumentadas de androgênios, predominantemente testosterona, sem a conversão proporcional deste androgênio em estradiol, dado o desbalanço entre as secreções de LH e FSH, o que explica o hiperandrogenismo característico da doença.
Além das alterações relativas às gonadotrofinas, parece haver um papel significativo da insulina e do IGF-1 na produção anômala de androgênios nestas mulheres. Portadoras de SOP apresentam mais frequentemente resistência à insulina e hiperinsulinemia compensatória independente da presença ou não de obesidade, sendo a resistência tanto para a ação da insulina no músculo estriado, quanto no tecido adiposo. O aumento da insulina circulante tem efeito direto na produção de androgênios ovarianos, uma vez que esta possui ação sinérgica ao LH nas células da teca, estimulando a produção de androgênios. Além disso, a insulina também está envolvida na redução da produção da proteína carreadora de androgênios (Steroid Hormone Binding Globulin – SHBG) pelo fígado; estes dois efeitos somados aumentam a concentração de testosterona livre, ou seja, da fração ativa do hormônio.

Diagnóstico: O que é mais amplamente utilizado e que abrangerá maior número de pacientes é o critério de Rotterdam. Portanto, levaremos em consideração, a presença de ao menos dois dos três critérios diagnósticos: oligo-amenorreia, hiperandrogenismo clínico e/ou laboratorial e morfologia ultrassonográfica de policistose ovariana. Além disso, a exclusão de outras doenças que também cursam com hiperandrogenismo constitui-se no quarto, e obrigatório, critério diagnóstico.

Embora ao se adotar os critérios de Rotterdam possamos nos deparar com pacientes sem sinais clássicos de hiperandrogenismo, as manifestações clínicas mais características da doença são quase todas decorrentes do excesso de androgênios circulantes. Como anteriormente descrito, o hiperandrogenismo está implicado em alterações na programação da regulação do eixo HHO, com interferências na sensibilidade do hipotálamo ao feedback exercido pelo estrogênio e pela progesterona de origem ovariana.
Desta maneira, ocorre uma secreção atípica de GnRH, que determina a secreção de pulsos anárquicos de gonadotrofinas, caracterizado pela hipersecreção de LH, levando a ciclos anovulatórios, com o recrutamento inicial de múltiplos folículos, porém sem a maturação completa de nenhum, mantendo-os retidos em estágio intermediário de desenvolvimento (morfologia policística dos ovários).

A anovulação secundária a este processo gera atraso menstrual com ciclos longos, porém normoestrogênicos, já que o crescimento folicular ocorre parcialmente, por isso há oligo-amenorreia e infertilidade. E por fim, o efeito direto dos androgênios sobre os folículos pilosos e sebáceos leva aos sinais e sintomas clínicos do hiperandrogenismo, como hirsutismo, acne, pele oleosa, queda de cabelo e nos casos mais graves, sinais de virilização com clitoromegalia e alopecia androgênica.
De acordo com o exposto acima, se pode definir que o diagnóstico da SOP é quase sempre clínico, principalmente levando-se em consideração que grande parte das portadoras de SOP apresentará irregularidade menstrual e hiperandrogenismo clínico. O histórico menstrual de oligo-amenorreia será caracterizado como a ausência de menstruação por 90 dias ou mais, ou a ocorrência de menos de 9 ciclos menstruais em um ano, sendo, portanto, um critério bastante objetivo. Já o diagnóstico dos sinais e sintomas de hiperandrogenismo é mais subjetivo.
Entretanto, alguns parâmetros podem nortear esta avaliação como, por exemplo, o Índice de Ferriman-Galleway; trata-se de uma escala para quantificação de pelos em áreas androgênios dependentes, com nove áreas avaliadas, sendo que cada localização pode somar 0 a 4 pontos, aonde 0 corresponde à ausência completa de pelos e 4 ao crescimento acentuado de pelos terminais.

Segundo a nova recomendação conjunta entre ASRM (American Society of Human Reproduction and Embryology) e ESHRE (European Society of Human Reproduction and Embryology), novos valores de corte para este índice foram estabelecidos, variando de acordo com a etnia da paciente, sendo considerado o hirsutismo valores entre 4-6. Um bom parâmetro para esta análise é a observação dos pelos em áreas não androgênio dependentes, como antebraço; a quantidade de pelo presente nestas áreas deve refletir o que deve ser considerado esperado para dada paciente e o objetivo do tratamento deve ser guiado por esta meta. Independente do escore, se os pelos têm localização em áreas mais expostas que incomodam a paciente, como a face, deve-se realizar o tratamento ainda que conceitualmente não tenhamos hirsutismo.
Diagnóstico Diferencial: Havendo a presença dos dois critérios, oligo-amenorreia e sinais clínicos de hiperandrogenismo, pode-se concluir pelo diagnóstico de SOP após descartar as outras causas de hiperandrogenismo (quarto critério de Rotterdam). Dentre as doenças mais prevalentes e que justificam pesquisa ativa de rotina para diagnóstico diferencial estão: os tumores produtores de androgênios (ovariano e adrenal), hiperprolactinemia, disfunções tireoidianas e a hiperplasia adrenal congênita, mais especificamente a forma não clássica, já que a forma clássica se manifesta com a presença de genitália ambígua por virilização intrauterina e provavelmente será diagnosticada antes da puberdade. Caso sejam descartadas outras doenças de base que justifiquem o hiperandrogenismo, confirma-se a SOP.


Tratamento: O tratamento se fundamento em mudança de estilo de vida (perda de peso) uso de contraceptivos orais combinados associados ou não ao uso de metformina.
Medidas dietéticas simples, tais como a proibição dos refrigerantes e dos lanchinhos, e plano alimentar que envolva a família, a escola e os amigos, podem conduzir de forma bem-sucedida a uma redução de peso em adolescentes obesas ou com excesso de peso. Em geral, quando se apela à questão estética (hirsutismo, acantose nigricans ou acne) como incentivo para a perda ponderal, o efeito pode ser mais rapidamente atingido do que se utilizar como fundamentos o risco cardiovascular, que é totalmente negligenciado e não valorizado entre as adolescentes.
O tratamento da SOP em adolescentes é diretamente relacionado com as suas principais manifestações clínicas: irregularidade menstrual, hirsutismo/acne, obesidade e resistência à insulina. Várias são as opções terapêuticas para cada um destes itens e um mesmo tratamento pode ser utilizado para mais de um sintoma, sendo que essa escolha deverá ser individualizada para cada adolescente.
Para as adolescentes com SOP, os anticoncepcionais orais combinados continuam a ser a forma mais comum de tratamento, atuando nas manifestações androgênicas e na irregularidade menstrual. Os estrogênios atuam no eixo hipotálamo-hipófise, inibindo a secreção de LH, o que leva à diminuição da produção de androgênios pelo ovário e ao aumento da síntese hepática de SHBG, que por sua vez diminui o índice de testosterona livre. O componente progestagênio inibe a proliferação endometrial, prevenindo a hiperplasia endometrial. Várias combinações e dosagens estão disponíveis, devendo-se optar por aquelas que ofereçam menores efeitos secundários. Ocorre a normalização dos níveis de androgênios na maioria dos casos, entre 18 e 21 dias. A eficácia do tratamento poderá ser avaliada após três meses do seu início, com avaliação clínica dos sintomas basicamente, no entanto, os níveis de androgênios também podem ser utilizados para este fim.
De entres todos os agentes insulino-sensibilizadores, a metformina é o mais utilizado, particularmente entre adolescentes com diminuição da tolerância à glicose, resistência à insulina ou obesidade. Ao diminuir a gliconeogênese hepática e aumentar a sensibilidade periférica à insulina, está descrito que melhora os parâmetros metabólicos associados à SOP: níveis de androgênios, insulina e lipídeos e padrão menstrual, favorecendo até a ovulação.
SOBRE O CASO: B.M.W. apresenta os critérios para diagnósticos de SOP: a irregularidade menstrual caracterizada pela oligomenorreia e/ou amenorreia presente no mínimo por dois anos após a menarca, a demonstração de ovários policísticos pela ultrassonografia e a hiperandrogenemia. Os baixos níveis de Beta-HCG e progesterona na fase lútea exclui a hipótese de gravidez ou gestação ectópica. O teste de tolerância à glicose oral (TTGO), perfil lipídico em jejum, TSH, prolactina, 17OHP e DHEA-S excluem causas metabólicas e disfunções tireoidianas e adrenais.
USG: A imagem de ultrassom transvaginal mostra vários folículos no ovário, provavelmente mais de 10. O ovário se apresenta inchado.


Útero alterado
Útero normal
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Referências:
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Síndrome dos ovários policísticos. -- São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), 2018. (Série, Orientações e Recomendações FEBRASGO, no.4/Comissão Nacional Especializada em Ginecologia Endócrina). 103p.
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